As fraturas do analista
- Alana Loiola
- 10 de jan.
- 2 min de leitura
Que atire a primeira pedra quem…
Todos conhecem essa, a verdade é que quando erramos/falhamos, admiti-lo é um trabalho difícil.
Mas também podem ter errado conosco.
Desde a faculdade, sempre me interessei em ler muito sobre casos clínicos, os textos clínicos geralmente chamavam mais minha atenção, por toda a complexidade que existe ali, desde o processo de escrita a pensar como aquelas duas subjetividades se encontraram - analista e analisando.
Mas já tem um tempo que me interesso também pelo que vem antes, antes do analista se tornar ou se autorizar analista (como dizem na comunidade psicanalítica).
Ou seja, o que vem antes, como chegamos até aqui, nessa autorização?
Bom, assim, penso que o analista, nós também fomos fraturados pela vida, de alguma forma, seja pela classe, seja pela cultura, seja pelo o acesso, seja pela cor, seja pelo gênero e a orientação, seja pelo que for.
A vida e seus personagens fazem seu “belo” trabalho de nos fraturar.
Assim, nós (analistas) também, parece óbvio? Não.
Li outro dia num texto assim: como “é muito difícil contar o trauma pelo qual se passou porque a pessoa nem consegue acreditar que passou por aquilo”, lembrei de um momento na análise que contei para me analista algumas coisas difíceis que ouvi nos projetos sociais com crianças e adolescentes — algumas realidades doem na carne e nos olhos.
Ele sentiu junto comigo (quase consegui ver seu rosto assustado com que lhe contei, ali deitada no divã)
E nesse mesmo dia me perguntei junto com ele, se seria possível narrar as histórias daqueles que eu ouvia, fazer tocar em quem ler, as vulnerabilidades que ali me tocavam, na clínica e nos projetos, e claro na minha vida, muito anterior a qualquer escuta clínica — e algo na vida poderia se transformar.
Acredito que ainda estou nesse trabalho, de decifrar como a sensibilidade pode ser transmitida pela escrita e pela escuta.
Eu fiquei fraturada com algumas histórias, fiquei fraturada com a minha também, e precisei fraturar de alguma forma aquele que me oferta a escuta.
Isso não garante maestria psicológica/clínica/blá-blá. Não garante nada.
Mas um trabalho é feito, que precisa ser feito, que foi falho anterior a mim, seja pelo laço social, pela cultura, pela ausências de cuidado, pelas falhas do ambiente, pelas violências em suas diferentes faces, algum trabalho precisa ser feito.
E este trabalho exige de nós muita sensibilidade e que ela esteja viva, mesmo que estejamos fraturados.
Alana Loiola
Psicanalista e Psicóloga CRP 11/1842